quarta-feira, dezembro 31, 2014

AINDA A SACRALIDADE DO NATAL COMO PILAR DA RAIZ RELIGIOSA DO OCIDENTE


Muitíssimo obrigado ao Vilhena por ter aqui trazido este texto, que não tive tempo de ler na altura mas que ainda vai a tempo de ser publicitado e comentado, ao fim ao cabo ainda se está na quadra natalícia: http://www.radixjournal.com/journal/2013/12/25/ghosts-of-christmas-past
Deita por terra o lugar-comum de que já não há espírito de Natal e que agora é só consumismo e tal e o mal disto é a crise de valores, já não há pachorra para essa sensaboria. O autor começa pela referência habitual à magia do «retorno à infância», devido ao ambiente semi-feérico da quadra natalícia - o óbvio Pai Natal, os duendes, as fadas - mas não se fica por aí. Na ideia de retorno vai mais longe: chega ao chamado Eterno Retorno, que é a mundividência dos ciclos, visão arcaica diferente - quando não oposta - do tempo linear. Salta daí para o valor do Ritual, abordando aqui um dos elementos do mundo tradicional mais valiosos e também mais desprezados na actualidade. O Rito é, entre outras coisas, um modo de viver a presença no mundo de uma forma mais abrangente - estar na vida e ao mesmo tempo dar vida ao passado. «Lembramo-nos através dos nossos corpos e sentidos tanto como pelas nossas mentes (...) Somos transportados de volta a uma série de momentos mais antigos das nossas vidas.» Como bem diz quem escreve, o ritual do Natal transporta o Ocidental, não apenas para a infância, a título pessoal, mas para as raízes da sua própria estirpe - a vivência pagã. Uma vivência pagã que sobreviveu à cristianização porque também o próprio Cristianismo foi por sua vez paganizado, naquilo a que, segundo o autor, James Russel chamava «dupla conversão». A verdade é que o Natal continuou a ser fundamentalmente pagão, talvez a mais pagã das festas ocidentais - também a maior, digo eu - a ponto de a própria data do dia de Natal propriamente dito, que na narrativa cristã foi o do nascimento de Jesus C., ser na origem a da celebração do Natalis Solis Invicti, na Roma pagã, que é, como o nome indica, o Natal ou Nascimento do Sol Invencível. E depois o grosso das tradições natalícias é igualmente pagão, germânico ou romano: o azevinho (vida eterna), o tronco de Natal, e claro, o Pai Natal, que só nominalmente deriva do cristão da Ásia Menor São Nicolau, porque na prática tudo na sua figura remete para Divindades pagãs, nomeadamente Tor e Odin, que o autor, numa numinosa expressão, diz que «mira-nos por trás das muitas máscaras do Pai Natal». 


Condiz com a versão eslava do Pai Natal, o «Pai Geada» ou «Ded Moroz», em tudo similar ao arquétipo das vetustas e barbudas Divindades arcaicas do norte indo-europeu.
Recreativa é a observação do texto sobre a polémica da chamada «Guerra ao Natal», que abala todos os anos os média norte-americanos - trata-se da onda de protestos que a Direita conservadora, cristã, levanta contra a laicização politicamente correcta dos festejos natalícios. O autor comenta a superficialidade com que se disputa a representação racial do Pai Natal, sem que a maioria pareça recordar-se que de facto o Pai Natal é ainda mais branco do que os conservadores supõem. Conservadores estes - republicanos e nacionalistas - que parecem definir a sua identidade por oposição ao politicamente correcto, o que em parte é bem verdade. 
O que mais conta é que, como nota o autor, toda a guerra laica e politicamente correcta que uma certa elite ocidental move contra o Natal não afecta, ao contrário do que se supõe, o verdadeiro espírito natalício, mesmo quando o deseja. A sacralidade não declarada, arcaica, do Natal, está fora do ponto de mira dos laicistas, que, não vendo aqui outra religiosidade para além da cristã, nem percebem que o sagrado que sobrevive é o mais profundo e antigo. A verdade é que, como constata o autor, o Natal aumenta em duração e intensidade. E, na prática, na prática pagã da celebração natalícia em torno da figura quase-divina do Pai Natal, os Ocidentais voltam a ser pagãos.