segunda-feira, agosto 25, 2008

HELLBOY II - O EXÉRCITO DOURADO, OU O INIMIGO DOS DEUSES...

Príncipe Nuada

Não sei - e não me parece demasiadamente verosímil - se quem fez esta sequela de Hellboy que agora chegou às salas de cinema cá do burgo pretendia de algum modo criticar os neo-pagãos.
Mas lá que o produto final tem nesse aspecto um mau tom, isso tem.
Condiz, não necessariamente com uma ideologia sempre bem nítida e formada, visto que o Neo-Paganismo é ainda relativamente pouco conhecido e, por isso, igualmente pouco, ou nada, polémico, condiz não necessariamente com isso, dizia, mas sim com uma certa bastardia de espírito, uma sensibilidade pária, um estilo naturalmente desenraizado, por mais contraditória que esta expressão pareça, «naturalmente desenraizado» - isto porque boa parte do mundo contemporâneo consiste precisamente na ausência de raízes como modo, não apenas de viver, mas até mesmo de ser. Trata-se pois duma bastardia ontológica.
Do intelectual da corrente dominante ao pessoal «cool», de boné ao contrário, calças largas, semblante «street», gosto rap, funk ou então jazz (consoante a hierarquia cultural), formação politicamente «correcta» e tendencialmente cosmopolitista, para toda esta malta é perfeitamente natural a repulsa, ou pelo menos a indiferença, pelas raízes, pela ancestralidade, pelo que é Antigo, arcaico, primordial, em oposição ao «actual», ao «agora», ao «é que está a dar», ou, para usar o vocabulário dos «tineiges» tugas rappo-americanizados, ao «rular». Neste quadro mental, é perfeitamente natural que, conscientemente ou não, involuntariamente ou não, com maior ou menor radicalismo, os filhos desta sub-cultura mundialista se posicionem contra os legítimos herdeiros que querem retornar ao que foi seu.
Na película que ora se comenta,o príncipe Nuada e Hellboy representam, cada qual por seu lado, estas duas ontologias em confronto, independentemente desta oposição ter sido conscientemente pensada ou não: o primeiro, tem por ideal fazer retornar os Deuses (e elfos, e duendes, etc.) a este mundo, restaurar a antiga sacralidade, e, significativamente, é ele o vilão; o segundo, visa somente proteger este mundo e, embora seja um demónio, quer integrar-se na sociedade humana e ser pelos humanos aceite...
Pelo meio, põe-se na boca dum opinador mauzinho umas palavras a criticar um suposto plano de incitação à mistura entre seres sobrenaturais e seres humanos, numa alusão clara, e idiota, à mistura racial. Não há mais eficaz pedagogiazinha do que colocar na boca dos maus o discurso que se quer demonizar...

No primeiro filme de Hellboy, que se criticou aqui, reina o ideal da bastardia, de dar mais valor ao ambiente «mestiço» em que se é criado do que ao seu sangue. O que Guillermo del Toro parece dizer ao pessoal jovem em linguagem teatral e simbólica é: se algum dia os nazis quiserem dizer-te que a tua raiz (raça, estirpe) te impõe um dever de lealdade, faz como o Hellboy que manda os maus à fava e continua a ser um bom «méne» dos nossos. E agora, na sequela, a pinta ianque-street do herói, o seu «swing» primariamente «cool», e com a sacramental grande pistola como os Ianques gostam (só um americano, mas só mesmo um americano, é que se lembrava de inventar um demónio a usar uma moderna arma de fogo) contrasta com a rigidez e sobriedade de Nuada, de estilo claramente europeu.

Talvez não seja por acaso que Guillermo del Toro, realizador de ambos os «Hellboy», tenha também filmado «O Labirinto do Fauno», que aqui se comentou: apesar da sua forma e temática parcialmente feéricas, acaba por passar uma mensagem de ateísmo puro e duro (e excepcionalmente deprimente, digo eu), ao mesmo tempo que, de caminho, representa os franquistas como monstros hediondos e os comunistas anti-franquistas como grandes e valentes combatentes da liberdade, num maniqueísmo deturpador e baratinho, de má qualidade... em abono da verdade, salva-se apenas a parte em que o médico «republicano» desobede ao capitão franquista e, perante a incredulidade deste relativamente à ousadia da desobediência, o médico responde «pois, capitão, eu sei que os homens como você não entendem isto, mas há quem preze mais a sua consciência do que as ordens recebidas», foi uma coisa assim.

«Hellboy II» é, entretanto, decepcionante quanto à sua qualidade. Independentemente da desgraçadice ideológica de del Toro, esperava-se coisa mais bem gizada da sua parte. Os diálogos são paupérrimos, as personagens duma infantilidade ianque constrangedora, as cenas de acção muito deixam a desejar, particularmente nos momentos dos combates de artes marciais, que induzem o sono.
O vilão, Nuada, é vagamente baseado num Deus celta irlandês, Nuada ou Nuadu: o Nuada de Hellboy II é um duende que tem como alcunha «Lança de Prata»; o Deus Nuada tem como epíteto «Braço de Prata». Há outras referências claras à tradição mitológica celta irlandesa, como por exemplo o nome de Balor, que no filme é o benévolo e sensato pai de Nuadu e muito se assemelha à imagem do Deus Cornudo céltico, ao passo que na mitologia céltica é o grande e horrendo inimigo dos Deuses; no filme, a irmã de Nuada, Nuala, tem um braço de prata, como o Deus Nuada da mitologia irlandesa; e há até espaço para uma forma arcaizante de língua céltica, conforme se pode ler aqui, blogue dum professor de línguas antigas que se diz fascinado por ouvir no filme os duendes a falarem céltico irlandês antigo em várias cenas.

Princesa Nualla

As semelhanças com a tradição céltica não vão muito além disso, pois que, segundo afirmou o próprio del Toro em entrevista, houve nesta película uma vontade manifesta de se afastar do tipo «céltico» e «anglo-saxónico» de duende/troll/elfo conforme se vê em «O Senhor dos Anéis», pelo que o realizador constrói um mundo feérico com fortes influências estéticas doutras culturas, tais como a japonesa e a árabe, além da imagética das pinturas de Hieronymus Bosch.

A bastardia e misturada é pois completa e o produto final é pobre. Mas como tudo pode ter o seu lado bom, pode ser que a película desperte em muitos jovens ocidentais uma curiosidade salutar pela sua arcaica herança étnica céltica.

Desenho moderno representando o Deus Nuada do Braço de Prata (Fitzpatrick, 1979)

6 Comments:

Blogger harms said...

Esse Del Toro é um realizador miserável que nunca fez nada de jeito. O Labirinto do fauno é das maiores nojices feitas nos últimos anos no âmbito do cinema fantástico.

26 de agosto de 2008 às 12:35:00 WEST  
Blogger Caturo said...

Uma seca deprimente, de facto. Todavia, o mexicano é deveras promovido e considerado um génio. Porque isto já se sabe, se é de Esquerda, é inteligente...

26 de agosto de 2008 às 12:46:00 WEST  
Blogger Caturo said...

E depois a escumalha castrada de Esquerda, seguidora acéfala dos seus ídolos, fica babada de ódio quando se lhes deitam abaixo os ícones da treta... :)

26 de agosto de 2008 às 17:28:00 WEST  
Blogger Caturo said...

Por essas e por outras é que gostam de ter o monopólio da comunicação sucial: para escaparem às críticas e não levarem com os escarros nas trombas que apanham em sítios como este, por exemplo.

26 de agosto de 2008 às 17:29:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Caturo acho que te interessa.

http://odinismo.blog-br.com/9098/Hamr+-+Mapeamento+da+Alma.html

26 de agosto de 2008 às 21:37:00 WEST  
Blogger Silvério said...

Para dizer a verdade até fiquei com interesse em ver o filme, coisa que não tinha, nem tão pouco vi o primeiro, mas mesmo assim vou evitar.

O labirinto do fauno tem realmente um final de completa desmistificação do imaginário que podesse ter sido conseguido durante o filme, a isso se junta o fauno que era meio abichanado.

26 de agosto de 2008 às 22:13:00 WEST  

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