segunda-feira, julho 23, 2007

ZITA SEABRA, DISSIDENTE DO PCP, FALA DO COMUNISMO

Vale a pena dar uma vista de olhos a uma entrevista que Zita Seabra, ex-militante do PCP, concedeu ao DN, texto do qual se retiram os excertos abaixo exibidos (a negrito estão as respostas da entrevistada):

(...)
Diz que alguém que está numa organização como essa não pensa, vê o mundo pela cartilha. Como é viver sem essa simplicidade?

Essa simplicidade é muito perigosa. E quando se recupera a liberdade o mundo torna-se mais complexo. Não é tão fácil sobreviver. Mas a liberdade é muito boa.

(...)

1968 foi também o ano em que as tropas russas invadiram a Checoslováquia - um acontecimento que levou a muitas dissidências de comunistas no mundo. Também se lembra de ouvir essa notícia pela rádio?

Ouvi, mas pouco. Tomei conhecimento, mas, eu digo sempre e creio que isso está muito claro no livro, eu não era dissidente antes de o ser. Era uma verdadeira bolchevique, que achava que a ideologia comunista era a ideologia certa, e que acha que para atingir determinados fins todos os meios valem. Qualquer invasão da Checoslováquia ou qualquer outro drama que um país sofresse acharia que era sempre por uma boa causa. Pensei pouco nisso e achei que era justificado.

Acreditava aliás na revolução pelas armas.

O PC não esteve a fazer outra coisa. Senão não teria havido o 25 de Novembro. O PCP começou, logo no dia 25 de Abril, a procurar o nosso Outubro. E o nosso Outubro era a via armada para o socialismo.

Estava disposta a matar, portanto.

Estava mais disposta a morrer.

É mais bonito...

É. Mas na via armada mata-se e morre-se. E há outra nota no livro que eu sublinho: o que está errado no comunismo são as ideias, não é a prática. Muitas vezes as pessoas saem dos partidos comunistas e dizem: o que estava errado era a prática, as ideias eram boas. E procuram ficar com a herança boa. Mas quando se esteve num partido comunista em qualquer parte do mundo defendeu-se a ditadura do proletariado, defendeu-se a superioridade moral dos comunistas, defendeu-se a propriedade colectiva dos meios de produção. Defendeu-se o que ainda hoje se passa em Cuba... A vítimas do comunismo foram tantas ou mais que as do nazismo. O que se passa é que essas vítimas não têm nome, não têm monumentos... Parece que passaram pela História sem lá estar.

Mas era essa a ideia. Apagá-las, não é?

Claro. E este livro é uma tentativa de não apagar. E de dizer que o que está errado são as ideias, porque levam àquela prática. Que começou em 1917, na Rússia, e continuou em muitos sítios. A esquerda europeia tem dificuldade em viver com isso.

Algumas das vítimas eram-lhe próximas. A sua amiga Sita Valles, brutalmente assassinada em Angola em 1977 a mando de Agostinho Neto, por exemplo.

Aquilo que aconteceu à Sita Valles foi o que aconteceu à dissidência em qualquer parte do mundo. Foi tão chocante e brutal... Ela estava grávida, foi violada e torturada, deixou um filho sem pai nem mãe. Mas não provocou nenhum frisson no PCP. Falei disso com o dr. Cunhal e logo a seguir ele publicou no Avante! uma nota a dizer que tinha sido "para pôr ordem na casa". Era assim...

Mas a sua militância sobreviveu a saber todo o horror da morte dela. Isso não faz de si uma cúmplice dessa morte?

Não me sinto cúmplice. Mas sobrevive-se mal a isso. Pesa muito na consciência e por isso é um ponto importante do meu livro.

Não denunciar, não se demarcar daquilo que aconteceu não é ser cúmplice?

É, mas ser comunista é ser cúmplice do que é o balanço do comunismo.

Sim, mas termina o livro dizendo: "não admito que me julguem".

A frase não é essa. Diz: "Aqueles que não lutaram pela liberdade em Portugal não me julguem."

Mas porque é que esses não podem julgá-la? Por exemplo, eu, que não tinha idade para lutar nessa altura, não posso julgá-la?

Não, não, não é desses que eu falo. Eu falo daqueles que foram cúmplices do regime... Porque o PCP tem também um lado heróico brutal. De luta pela liberdade. É o que faz a diferença do comunismo em relação ao nazismo, e o que explica que tenha atraído os intelectuais todos.

Havia uma generosidade.

Sim, havia um lado generoso, não tem um lado só horripilante. Havia pessoas presas 20 anos em Portugal pelas suas ideias. É essa mistura que é terrível.

Aliás acaba o livro certificando que os comunistas sabiam de tudo, dos crimes todos cometidos em nome do comunismo.

Acho uma grande desonestidade intelectual dizer-se que não se sabia. A questão é: achávamos necessário ou não? Arranjávamos sempre desculpas. E a desculpa era: a URSS vive isolada, temos de nos defender dos inimigos. Os crimes eram feitos em nome da superioridade moral dos comunistas e dos valores que era preciso defender.

Mas também confessa que só leu os livros da dissidência - como o da Cândida Ventura, que saiu em 1976, ou os de Soljenitsine - muito tarde, quando estava quase a sair. Não tinha curiosidade? Não quis ler para poder refutar?

Não, nunca tinha lido. Essas coisas fazem-se quando se é livre. O que lia era para confirmar aquilo em que acreditava. Quando comecei a ter dúvidas comecei a ler o resto. Foi numa altura em que estive doente, em casa, com tuberculose... Comecei a querer ver o outro lado do comunismo. Houve um impulso, o dizer: alto lá que isto se calhar não é assim, porque é que estou aqui nesta revolução armada, há mais mundo para além do mundo.

Quando em 1988 votam na Comissão Política do Comité Central de braço no ar para decidir se a expulsam, toda a gente vota a favor da expulsão e a Zita vota contra. Queria mesmo ficar? Porquê?

Queria mesmo ficar. Eu ainda era comunista, ainda acreditava, queria mudar o partido, que deixássemos a via armada, que a votação passasse a ser secreta, que os dirigentes mais ortodoxos do PC fossem substituídos por outros mais abertos... Depois, no segundo julgamento, já não achava possível renovar o Partido Comunista.

É como se fosse essa rejeição brutal de que foi alvo que a faz afastar-se do comunismo. Em meses. Porque a trataram pessimamente. Só deixou de ser comunista porque foi expulsa?

Também por isso. Quando é connosco dói mais. Aquele julgamento foi incrível de dureza, de achincalhamento, de insulto, doeu-me muito. Aqueles camaradas que eu conhecia e me conheciam a mim... A imensa maioria não tinha a minha história. Estavam ali a julgar-me com que direito?

Percebeu que não tinha ali amigos.

Mas quando fiz uma declaração a dizer que já não era comunista, disseram-me: "Pareces a Cândida Ventura". Fiquei muito chorosa, mas houve alguém que me disse: "Isso para si devia ser uma honra." E aquilo bateu-me. Senti-me burra, ridícula. Porque eu devia era ter sido a Cândida Ventura, saído quando ela saiu, em 1976.

É o preconceito contra o dissidente, o arrependido, o traidor. E agora a Zita é a mais famosa arrependida do PC, em relação à qual há a ideia de que se passou completamente para o outro lado, que se vendeu: foi nomeada por Cavaco para um cargo em 1993, é dirigente do PSD, assumiu a luta contra causas que eram suas, como a do aborto. Como lida com a antipatia que isso causa?

Lido bem... Sinto isso com uma enorme superioridade, porque a grande agressividade foi a do mundo contra os partidos comunistas. E tenho pena que alguns de quem gosto no PC não vejam isso. Sei que simbolizo a mudança, apesar de haver tanta gente que mudou de partido e de ideias... Sei que simbolizo um pouco isso e pago esse preço. Mas no aborto, a minha posição é hoje idêntica à que tinha. Nunca o considerei um direito, mas um último recurso.

Nos agradecimentos do livro está um monsenhor, o mote é uma frase bíblica, apesar de se dizer ateia de formação. Descobriu Deus, entretanto?

Sobre a minha vida depois de 1989 não quero falar. Não gosto de falar da minha vida privada e só a abordo no livro quando é relevante para a política. Devia ser uma regra dos políticos, embora seja uma fronteira difícil. Se calhar se tivesse entrado em domínios mais privados, quer da minha vida quer da do dr. Cunhal, vendia mais...

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

essa qualquer dia ainda ingressa no pnr :)

23 de julho de 2007 às 17:54:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

"Foi assim" é o nome simples de um óptimo livro. É um testemunho impressionante, não só pela lógica de discurso em termos de história vivida, numa época de grandes confusões que ainda custa a muita gente hoje entender (clandestinidade, revolução/contra-revolução, democracia/ditadura do proletariado, militares, bombistas, saneamentos, etc), mas essencialmente por assumir sem paninhos quentes todo o seu percurso político até à dissidência. Assume-se uma ex-bolchevique, para quem todos os meios serviam para atingir os fins da revolução. E fala de Cunhal com naturalidade, sem o endeusamento que a elite no geral gosta de praticar. Gostei muito da frontalidade do livro. Da entrevista, tenho de realçar uma passagem que é típica e muito reveladora:

“Não, nunca tinha lido. Essas coisas fazem-se quando se é livre. O que lia era para confirmar aquilo em que acreditava. Quando comecei a ter dúvidas comecei a ler o resto. ...“

As dúvidas fazem falta a muito boa gente, essa é que é essa! As dúvidas dão-te asas! ;)

Cumprimentos.
Livia Drusilla

23 de julho de 2007 às 18:43:00 WEST  
Blogger Silvério said...

Especialmente a quem só vê etiquetas e chavões à sua frente.

23 de julho de 2007 às 19:01:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Boa ideia é deixar o comunismo no passado!

25 de julho de 2007 às 01:25:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

viva o pcp

26 de julho de 2007 às 13:06:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Ajtel,és cristão ou agnóstico?

17 de agosto de 2007 às 10:49:00 WEST  

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