segunda-feira, julho 05, 2004

FIRMEZA DE MORADORES

A vossa atenção, camaradas - e a vossa também, escumalha comuna que possam estar a ler isto, e a vossa também, neutros, e a vossa, gente respeitável que, por mistério da natureza, seja de Esquerda, etc. - para o seguinte texto:

Desalojados de Loures Dormem em Frente à Autarquia
Por NUNO FERREIRA
Público, Quinta-feira, 13 de Maio de 2004

Um grupo de 11 angolanos preparava-se, à hora do fecho desta edição, para pernoitar em frente ao edifício da Câmara Municipal de Loures, em protesto contra o derrube, a 26 de Abril, do anexo em que viviam no Bairro da Castelhana.
Os africanos, que viviam com as respectivas famílias, num total de seis adultos e cinco crianças, num anexo de rés-do-chão e primeiro andar na Rua Padre Cruz, 87, no Bairro da Castelhana, em São João da Talha, demolido nesse dia, dizem-se vítimas de xenofobia.
Carlos Teixeira, presidente da câmara, diz que não se trata de qualquer discriminação mas sim da reposição da legalidade: "Aquele bairro vai ser reconvertido mas os anexos construídos ilegalmente e alugados ilegalmente têm de ir abaixo. As pessoas só têm de se queixar do senhorio que lhes alugou um anexo sem condições de habitabilidade".
O autarca diz ainda que foi confrontado em reunião de câmara com protestos de moradores, que se deslocou ao local e que verificou "in loco" que não estavam reunidas as condições de habitabilidade: "Era muita gente num espaço sem condições".
Sem casa desde 26 de Abril, os desalojados ainda pernoitaram uma noite num lar de idosos. Depois, conseguiram ficar numa pensão de Palhavã, a cargo da Segurança Social. Ontem mesmo, terminou a estadia no estabelecimento e tudo indicava que os 11 angolanos iriam pernoitar à frente da Câmara de Loures.
"O dono da pensão disse que eles têm de sair. A Segurança Social não paga nem mais um dia, por isso eles irão dormir para a frente da autarquia", explicou ao PÚBLICO Isaac Paulo, presidente das Associações Angolanas.
Os angolanos dizem-se vítimas de racismo: "A gente vivia num anexo de rés-do-chão e primeiro andar, construído há 20 anos. Todo o Bairro da Castelhana é clandestino, inclusivamente com barracas. Porque é que só nós é que fomos despejados e porque é que só a nossa habitação foi demolida?", pergunta Belmiro Patrício, 33 anos.
Belmiro acusa o vizinho do nº 88 de "racismo": "Ele dizia às pessoas que não gostava de pretos. Regava-nos com a mangueira, chamava a GNR ao meio-dia e às 11h da manhã de domingo só porque estávamos a ouvir música africana. Depois, organizou um abaixo-assinado para nos pôr fora dali. Éramos os únicos negros numa rua de brancos". Belmiro, António José Francisco, 31 anos, e Wilson Neto Morais, 33 anos, dizem também que o "vizinho do nº 88 tem conhecimentos na câmara e na junta de freguesia".
Demolida a casa, as três famílias dormiram ao relento. "Ninguém nos ajudou e o vizinho ainda chamou o corpo de intervenção da GNR porque as crianças estavam a fazer barulho na rua", contam. Contactado o senhorio, este ainda justificou o abaixo-assinado: "Assinaram para aí umas 150 pessoas. Porquê? Você sabe como são os africanos, faziam chichi contra as paredes, era só cerveja e muita barulheira..."
No dia seguinte, em sinal de protesto, os três casais terão deixado os filhos na autarquia, correndo o risco de um processo por abandono de menores. "Foi lamentável", comenta o presidente da câmara, "abandonaram os filhos e foram os funcionários que lhes tiveram de dar de comer. Que pais são estes?" Isaac Paulo responde: "Foi uma forma de protesto. A câmara está a usar isso como pretexto".

Uma boa notícia: há pessoas corajosas em Portugal. E a lei funciona, de quando em vez. Por isso é que o cidadão do número 88 conseguiu libertar-se dos seus vizinhos que lhe urinavam nas paredes.

E, claro, a escumalha, num acto de chantagem, mandou os meninos para a porta lá da autarquia.